Shi Menegat, 29 anos, é uma atriz que vem crescendo na tela da TV com o papel de Renée na fase jovem em “Elas por Elas”, da TV Globo, uma mulher cuja vida nos dias atuais é interpretada por Maria Clara Spinelli. Elas dividem o papel e as experiências da personagem, que é uma transgênero e batalhadora, e que cria os enteados Vic (Bia Santana) e Tony (Richard Abelha).
Sobre o trabalho dividido com Maria Clara Spinelli, ela é pontual. “É maravilhoso, ela é muito generosa, tem sido incrível. Fiquei muito feliz ao saber que ela faria a Renée nos dias atuais. Temos uma troca muito genuína, e venho acompanhando-a no papel, acho demais como ela se entrega à personagem”, conta.
Além da novela, Shi está no filme “O Mensageiro”, dirigido por Lucia Murat, e onde interpreta um soldado no tempo da ditadura militar no Brasil. O longa foi apresentado nos festivais de cinema do Rio e de São Paulo com grande receptividade, e deve entrar em cartaz no próximo ano. Ela também faz parte do Teatro da Matilha, grupo de São Paulo que produz teatro performático e dança.
Papéis tão distintos só provam o talento de Shi. Formada em comunicação e teatro, e pós-graduada em semiótica, ela está sempre pronta para encarar novas possibilidades na carreira, e não é do tipo que fica esperando uma oportunidade aparecer, vai atrás daquilo que lhe interessa.
Declaradamente uma pessoa não binária, Shi diz que a aceitação da família é fundamental para o acolhimento mútuo que desfrutam. Para ela, a não binariedade apenas mostra que existem mais que ele e ela, e a diversidade exibe bem isso. “Minha família é muito acolhedora, nós nos acolhemos. Mais do que pedir a aceitação do outro, a gente tenta uma aceitação própria para que esse acolhimento seja saudável e crie uma força individual. Meus pais me apoiam muito. Não sei o que seria de mim sem isso. Sei que minha família acredita nas minhas escolhas, e isso é muito bom”, relata.
Nascida e criada em Porto Alegre, fez toda a sua formação na cidade natal, e está em São Paulo há apenas dois anos, período que foi suficiente para conquistar um papel de destaque na trama global.
Acha que as redes sociais são um importante meio para disseminar as causas LGBTQIAPN+ e vê o mercado audiovisual para pessoas trans como um “atravessamento”. “Acho que o mundo vem passando por vários atravessamentos, não dá para dizer simplesmente que está melhor, mas há mais oportunidades. Tem vários fatores, como a necessidade que o próprio mercado tem sobre inclusão e diversidade”, explica.
Para ela, ser atriz é uma questão de transpor suas experiências a partir da atuação, do estar e não estar. “Acho que me torno atriz quando percebo que os atravessamentos de um personagem fazem com que eu me aproxime e me distancie ao mesmo tempo. Ser atriz é estar em um outro atravessamento de corpo.”
Para o futuro, Shi diz que as portas estão abertas, e espera que o bom momento que vive na TV possa dar mais visibilidade a seu talento, conquistando novos papéis no audiovisual. “A novela vai até março, então até lá estou muito envolvida com a trama. Espero que este momento seja de abertura para novas possibilidades. Eu não sou do tipo que fica parada esperando. O ócio ou a espera me paralisa.”
Leia a seguir o papo que CHNews teve com a atriz.
Você também trabalha na área de comunicação, curso em que se formou?
Eu trabalho em produção cultural e audiovisual, às vezes. Trabalho na frente e atrás das câmeras.
De que maneira surgiu a oportunidade de fazer “Elas por Elas”?
A novela apareceu a partir de um convite da produtora de elenco, Dani Pereira, para fazer um teste. Tive que fazer um teste para a personagem, traçando um perfil.
Como é dividir uma personagem Renée com a Maria Clara Spinelli?
É maravilhoso, ela é muito generosa, tem sido incrível. Fiquei muito feliz ao saber que ela faria a Renée nos dias atuais. Temos uma troca muito genuína, e venho acompanhando-a no papel, acho demais como ela se entrega à personagem. É uma grande atriz. Acho muito bonito o fato de terem dois tempo s e irmos construindo a Renée juntas.
Como se preparou para o papel?
Fizemos uma preparação coletiva, levando as personagens para ficar juntas, ir formando a preparação corporal também. Estávamos todos tentando entender esses dois tempos, passado e presente. Ao mesmo tempo, deixamos espaços para que a personagem crescesse dentro de suas perspectivas. Também quando eu soube que a personagem seria alguém antes da transição de gênero, deixamos que tudo acontecesse. A ideia é apresentar nossos corpos e imprimir uma marca para a trama.
É a primeira vez que você participa de uma montagem com atores como Deborah Secco, Lázaro Ramos e Thalita Carauta?
Nesse nível global, sim. Quando eu penso que estou no mesmo set que Deborah Secco, Lázaro Ramos, Isabel Teixeira, é muito louco. Está sendo muito incrível estar perto dessas pessoas tão importantes.
E você se assustou com essa proximidade?
No primeiro dia, quando almocei ao lado da Deborah Secco, eu me assustei, é demais estar com essas pessoas e aprendendo. Acho também que a gente vai criando uma identidade. Fazer novela, que era um mundo que eu queria descobrir, tem sido um aprendizado. É muito diferente atuar com gente que está acostumada a fazer muita novela, porque é um mundo muito particular. Foi um susto muito feliz, porque é maravilhoso estar junto.
E era um sonho fazer uma novela?
Sim, desde quando eu comecei a atuar, me propus a ter o máximo de experiências possíveis. Era um sonho distante, mas que acabou acontecendo.
Como você vê o mercado audiovisual para pessoas não binárias e trans?
Acho que o mundo vem passando por vários atravessamentos, não dá para dizer simplesmente que está melhor, mas há mais oportunidades. Tem vários fatores, como a necessidade que o próprio mercado tem sobre inclusão e diversidade. Hoje em dia é quase inevitável, ou uma necessidade de abordar tópicos de corpos diversos. E com isso vem uma atualização do público, para que pessoas reais possam se ver representadas. Tem pessoas trans, não binárias, com corpos diversos. É uma necessidade do mercado colocar todas as pessoas em evidência, mas também uma necessidade do público em se identificar com as personagens. Toda essa pluralidade é o mundo, é a vida. Então, se o mercado não conseguir acompanhar isso, é só ele que sai perdendo. É preciso ter uma responsabilidade com o mundo e com a realidade das vivências múltiplas.
Desde quando você se considera uma pessoa não binária?
Eu estou vivendo um pouco desse processo. Este ano tem sido muito fundamental para a minha construção sexual. Tenho visto diferentes impactos em termos de trabalho, afetivos, emocional. Eu tento buscar uma liberdade na minha expressão… Agora eu tenho buscado entender os nomes que posso dar para isso. Não binária é um nome que eu posso estar dentro de um guarda-chuva, mas estou sempre me molhando com os pingos que estão lá fora. Nós queremos um nome para nos abrigarmos no guarda-chuva, mas eu estou sempre com um pezinho fora para ver o que está rolando. É tudo novo, mas quando eu olho para a minha construção de vida, de mundo, é desde sempre. Desde adolescente eu tento ver o outro lado de coisas e tentar desestabilizar o que é muito fechado, nada tem apenas dois lados, não é só ele ou ela. Vamos percebendo as coisas à medida que os acontecimentos permeiam nossa vida.
Tem algum personagem que você gostaria muito de fazer?
Sim. Quero muito fazer algo no terror, no suspense, fora do drama, seria uma coisa inusitada.
Fale sobre o filme “O Mensageiro”, dirigido por Lucia Murat.
O filme estreou agora no Festival do Rio, e fizemos exibição no Festival de São Paulo. É muito legal, porque eu faço um soldado na época da ditadura. É uma coisa muito diferente de mim. Aí, quando você pergunta como eu me torno atriz, é mais ou menos isso, quando consigo me ver em um papel que digo, não sou eu. O filme fala muito sobre a possibilidade do diálogo, de trazer essa memória de alo tão significante, como a ditadura, e ver o que fica de contemporâneo nisso. Esse soldado conhece uma menina que está presa, uma estudante, e a partir dessa relação a gente vai trabalhando as possibilidades de perdão, diálogo, humanidade.
Quais foram as principais dificuldades nas filmagens?
Para mim, a primeira coisa que passou foi a questão do corpo, de incorporar o soldado e ver a transformação. Outra coisa foi fazer toda a preparação online, já que estávamos na pandemia. Algo que que me marcou muito foi a chance de experienciar… Construíram as prisões em um porão de uma escola, e é muito doido, porque é muito distante desse imaginário, de colocar a farda, entrar nas prisões.
Você é ligada em redes sociais?
Sou, dentro na sanidade mental que a gente consegue ter (risos). Mas, sim, é difícil não estar conectada.
Acha que as redes sociais são um canal importante para disseminar a causa LGBTQIAPN+?
Super. Tenho visto também a questão da nominariedade… Observo como a gente tem de ser didática e como esses temas alcançam pessoas, mas acho que as pessoas também devem querer ser alcançadas. Ou seja, tem que ter um interesse de o outro quero rever suas visões de mundo.
E quais são os próximos projetos?
Vem projeto de vida, mesmo. Eu tenho trabalhado com esse grupo de teatro [Matilha], agora estamos vendo novos projetos e espetáculos. A novela vai até março, então até lá estou muito envolvida com a trama. Espero que este momento seja de abertura para novas possibilidades. Eu não sou do tipo que fica parada esperando. O ócio ou a espera me paralisa.