Imagine um cara que não para, nem de trabalhar nem de estudar. A preparação ininterrupta para atingir papéis de sucesso faz parte da carreira de Roberto Birindelli, que estreia como o pintor francês Paul Gauguin no cinema em 2024.
Ator, diretor, produtor, professor. Poliglota e interessado em criar cenas que levem o público a entender melhor as obras, Birindelli, que nasceu no Uruguai, mas fez sua carreira no Brasil, busca através dos anos uma excelência na interpretação que exige dedicação e trabalho incansáveis.
O ano de 2024 será pouco para exibir as obras em que o artista se encontra como destaque. Além do filme “Gauguin e o Canal”, de Frank Spano, em que assume a personalidade do controverso pintor francês, ele vem com mais quatro estreias para o próximo ano. E quer mais.
Além de seis novelas, Birindelli tem em seu currículo 55 filmes e inúmeras peças de teatro, e virá também no streaming.
O multifacetado artista ampara suas experiências em trabalhos premiados pela comunidade do audiovisual. Em “Gauguin”, além de conceber o pintor francês com seu talento e suas escolhas, às vezes, delicadas, como o abandono da família para cultivar seu sonho de pintar, Birindelli teve que se preparar além da interpretação. Fez coach para perder o sotaque em francês, língua em que foi filmado o longa, e ainda treinamento com uma PhD em Gauguin para adquirir os traços do pintor francês para as filmagens, em que ele pinta de verdade.
Birindelli também se prepara para criar um centro cultural para artistas e interessados em arte, cujo objetivo é disseminar cultura e oferecer um ambiente em que as pessoas possam vivenciar de perto as diferentes formas de arte.
Ah, e para coroar suas habilidades pessoais, ele comandará um programa em que o churrasco é a estrela, além dos convidados e o bate-papo descontraído que envolverá a produção. E ainda para o início de 2024, Birindelli está preparando uma série com três temporadas, prevista para passar em uma TV fechada.
Leia a seguir entrevista que o artista concedeu ao CHNews.
É casado, tem filhos?
Eu tive quatro companheiras na vida, e uma delas é a mãe do meu filho, Carlo, que hoje está com 24 anos. Todas elas são geminianas, o que me torna PhD no assunto.
Você estudou arquitetura, chegou a trabalhar na área?
Eu até hoje trabalho na área de urbanismo, sempre, desde a faculdade gostei mais de urbanismo. Primeiro me formei em arquitetura, depois em artes cênicas, e acabei dando aula de teatro em 185 cidades do Brasil, mas também Suíça, Suécia, Itália, Argentina. Eu dava workshops. E trabalhei como ator também em diferentes países.
Quantos idiomas você fala?
Mal, quatro (risos). Espanhol, português, inglês e francês. Por exemplo, o filme “Gauguin e o Canal” eu fiz em francês, mas tive que fazer oito meses de coach para perder o sotaque.
Como a atuação acontece na sua vida? O que te levou a ser ator?
O Eugênio Barba [autor italiano, pesquisador e diretor de teatro], com quem estudei na Dinamarca várias vezes, dizia: “Há um momento da picada do escorpião, quando o veneno entra”. E eu me lembro, no Uruguai, onde eu ainda morava, que em um dia frio eu estava na rua com a minha mãe e vimos um idoso muito triste, quieto, parado na esquina e chorando. Eu travei ao ver aquilo, tinha uns quatro anos, então eu não sabia dizer com palavras, mas eu sabia sentir. Idoso no Uruguai tem outra conotação, nós veneramos os mais velhos. Ou seja, um velho, parado em uma esquina chorando está tudo errado. Foi então que eu parei e disse para a minha mãe: “Eu não saio daqui até esse senhor sorrir”. Comecei a fazer coisas engraçadas, e minha mãe me puxando para ir embora, mas eu não fui, até que esse senhor começou a sorrir. Isso faz mais de 50 anos e eu continuo fazendo a mesma coisa.
Qual a importância do teatro na sua vida?
Eu não comecei pelo teatro, comecei pela pintura, que estudei dos cinco aos 15 anos. Do desenho para a arquitetura foi um passo. Desde pequeno eu gostava de escrever, escrevi um livro para o meu cachorro, ainda no Uruguai, deve estar guardado com a minha mãe. Então posso dizer que comecei também com a escrita. Depois, na faculdade de arquitetura, eu tinha um colega que era mímico, e eu passei a fazer mímica. É incrível que na faculdade de arquitetura gira muita coisa ao redor, muitos da minha turma saíram e foram para outras áreas, como três que formaram a banda Engenheiros do Hawaii – cujo líder é o Humberto Gessinger. Eu acabei indo para o teatro. Se eu tivesse que começar de novo, faria tudo igual, estudaria arquitetura. Eu fiquei na arquitetura por nove anos, mas fazendo paralelamente a isso teatro, cinema. Participei como ator de show da Adriana Calcanhotto, conheci Jorge Mautner, Caetano Veloso, isso tudo na universidade em Porto Alegre. Cuidei muito da minha formação, viajei bastante para estudar e me aperfeiçoar. Eu só fiz seis novelas na minha vida, mas tenho 55 filmes no currículo.
Como surgiu a oportunidade de representar Gauguin no cinema?
Apareceu um teste para eu fazer via Skype, e eu fiz. Porque em Hollywood há muitos atores que falam inglês e espanhol, mas que fale inglês, espanhol e português, são poucos, e eu acabei ficando com o papel.
Como se preparou para o personagem?
Bom, vamos lá, muitas coisas. Era pandemia, e eu estava fazendo “Nos Tempos do Imperador”, novela da Globo, onde interpretava Solano López, um general paraguaio que é contemporâneo de Gauguin, eles têm 15 anos de diferença. Então a barba, todo o visual que eu ostentava na época, servia para o filme. Além disse, eu estava rodando “DOM”, a segunda temporada. Mas surgiu o convite para filmarmos na pandemia mesmo. Ou seja, eu estava fazendo novela no Rio, “DOM”, no Uruguai, e estava indo para o Panamá para filmar Gauguin. O filme roda em francês e espanhol do Peru, por quê? Porque Gauguin só nasceu em Paris, aos oito meses de idade ele e a família se mudaram para o Peru, onde ele foi alfabetizado. O espanhol peruano é a língua emocional dele. O meu espanhol é do Uruguai, então eu tinha duas línguas para trabalhar o sotaque: francês e o espanhol do Peru. Ah, e como o diretor queria me ver pintando, eu fiz mais oito meses de coach para treinar os traços de Gauguin. Foi realmente uma experiência absurda. A PhD em Gauguin que me auxiliava, e que estava em Chicago, me corrigia via chamada de vídeo.
Quais foram as principais dificuldades ou curiosidades nas filmagens?
Bem, improvisar em francês é um horror, porque a construção da língua é outra. Trabalhar com franceses foi uma loucura, porque eu não estava com essa fluência toda. Fiquei 40 dias isolado no Panamá só com Gauguin do meu lado. A vegetação do Panamá é muito parecida com o da Polinésia Francesa, que é onde vivia Gauguin, só que muito mais barato e com mais recursos. Por isso o filme foi rodado lá.
Qual a importância de representar Gauguin no cinema?
O filme tem várias fases, e uma delas é mais política. Ele defende os autóctones, os moradores da Polinésia Francesa, contra o imperialismo francês. E ele entra em luta mesmo, tanto que perde a cidadania francesa, ele se dá muito mal por defender os autóctones. Gauguin é preso, prisão domiciliar, e essa parte é contada no filme. Mas pense que ele não é flor que se cheire também. Ele tinha uma família na França, que abandona para pintar.
Como foi interpretar o drama de Gauguin deixar a família em Paris e partir em busca dos sonhos?
Uma loucura, porque ele tinha uma outra família também na Polinésia Francesa e que ele igualmente abandona para pintar. Ele é um sacerdote da pintura, e chega uma hora que isso tem um custo.
Qual cena do filme você destacaria como seu maior desafio?
O julgamento, porque ele é verborrágico e em francês. Nossa, enfrentando um juiz francês, que é quando ele será preso. E ao mesmo tempo ele está tendo alucinações com a mulher dele, e com a filha. Gauguin tenta se matar quando descobre que sua filha morreu.
De que maneira você recebeu a premiação de melhor filme no Festival de Salerno?
Ah, o filme foi muito bem na Itália e na Espanha. Na exibição na Mostra Internacional de Cinema de SP, agora, o longa teve exibição seguida de uma bate-papo, e as perguntas não paravam de chegar, tivemos que encerrar sem responder a tudo.
Conte sobre o filme “As Vitrines”, de Flávia Castro, e que é sua 55ª participação no cinema.
É alucinante. A Flávia Castro eu não conhecia. Uma produtora de elenco perguntou se eu falava espanhol e que ia ter uma produção no Chile. Aí a Flávia perguntou se eu podia fazer um chileno, pois o papel do uruguaio era muito pequeno. Pensei que seria fácil adquirir o sotaque do chileno, pois já pratiquei vários deles na minha vida. Pensando nisso, me dei conta que em toda a minha carreira nunca fizera um personagem uruguaio (risos). Até um filme que eu fiz no Uruguai eu interpretava um fazendeiro gaúcho. Aí pedi para a Flávia que me deixasse fazer o personagem uruguaio. Era um papel pequeno que se tornou enorme, importantíssimo.
Fale sobre seu personagem.
Tudo acontece na Embaixada da Argentina no Chile, durante o golpe naquele país. São os refugiados dentro da embaixada. Eu faço o refugiado que está na embaixada por mais tempo. Ele é como um guardião, e sugeri que ele usasse sempre o mesmo figurino para despersonificar a imagem dele. A história é contada por uma menina, que é a própria Flávia, que foi refugiada na embaixada argentina à época. Então ela dirigiu com a alma. Eu sugeri que o meu personagem, já que era o mais antigo e o guardião dos outros, roubasse vinhos da embaixada e levasse para os refugiados. A Flávia me ligou de madrugada eufórica, dizendo que contara à sua mãe minha ideia, e que a mãe disse que realmente dois uruguaios que estavam na embaixada durante o refúgio furtavam vinhos. Ela disse: “Claro que vamos ter isso no filme.” Este filme, assim como o “Gauguin” e “A Escola de Gênios” devem estrear no primeiro semestre de 2024.
Além de trabalhar o filme “Gauguin, quais são os próximos projetos?
Fiz uma série também, da RecordTV, chamada “Estranho Amor”, que deve estrear em 2024, eu tenho cinco projetos para estrear no próximo ano. Todos os diretores com quem eu trabalho
sempre dizem que gostaram muito da minha interpretação e que eu estarei no próximos projetos deles, por isso, terei de ver a agenda para conciliar os convites.
Tem proposta para TV aberta?
Eu adoraria fazer de novo uma novela, mas o que tem aparecido para mim são séries e filmes. Claro, para o grande público é mais importante estar na TV aberta, mas eu faço o que me chamam para fazer.
Tem vontade de dirigir?
Eu dirigi uma peça nos anos 2000 sobre a obra de Ítalo Calvino [um dos mais importantes escritores italianos do século 20]. Dirigi também um grupo de música medieval em Porto Alegre, assim como um grupo de dança flamenca. Eu não sei se hoje eu dirigiria. Mas estou escrevendo uma série, três temporadas. O projeto já está com players e uma produtora. Eu também comprei uma casa na Gávea, no Rio, onde quero fazer um centro cultural a fim de reunir artistas e público. Vai ter café, local para exposições, workshops. A ideia é trazer pessoas que possam acrescentar, dar cursos, como por exemplo o roteirista do Pedro Almodóvar vir aqui dar um workshop de roteiro, sempre focado no audiovisual, trazer experiências para o público e os profissionais. Preciso ainda fazer a captação financeira, o projeto precisa ser subvencionado. Eu nunca daria um curso pago para pessoas e artistas que não têm dinheiro.
Você se considera perfeccionista?
Sim, mas eu não gostaria. Vou te dizer que estou sendo cada vez menos, porque com o tempo estou aprendendo. Não é o Laissez-faire, do francês, é o “le se fuder”, do Antônio Abujamra, com quem trabalhei muito. Eu vi um curta chamado “Foi até onde deu para ir de bicicleta”, e é bem por aí. Percebi que a busca pelo mais é o que você perde com a idade, você tem a noção do suficiente. Ah, mas por que você não foi além? Ao que respondo, porque foi até onde deu para ir de bicicleta. E está bom.
Tem algum personagem que você gostaria muito de fazer?
Sim. Um super-herói, mas não da Marvel, um super-herói parecido com o Chapolin Colorado, mas não para crianças. É um super-herói que não usa capa para voar, não tem o corpo fechado, ou seja, se for baleado, morre, que não tem como pagar o seu próprio aluguel, está numa pior, e, ainda assim, tem de salvar a humanidade.
Tem algo de que não falamos que você gostaria de acrescentar?
Sim, eu vou apresentar um programa de churrasco, eu amo churrasco. O programa vai se chamar “Em Volta do Fogo”, em que haverá conversas, diremos onde aperta nossos sapatos, e tudo isso em uma tradição gaúcho-uruguaia de comer em volta do fogo, fazer um churrasco, chamar os amigos, tomar um chimarrão, um vinho e conversar, coisas que a Inteligência Artificial (IA) não terá como interferir, por exemplo, quero ver como a IA vai acertar o ponto da picanha (risos)?
E isso é para quando?
Bom, agora eu vou ter uma reunião com patrocinadores, e acho que em janeiro ou fevereiro a gente começa a gravar. Vai passar em uma TV fechada, que ainda estamos negociando.