Por Flávia Barbosa
Ah, a Austrália… já se pegou pensando em como seria maravilhoso se mudar para um país seguro, exótico, com belíssimas praias, gente bonita e bacana, muito sol? Fora seus animais peçonhentos, tubarões brancos e crocodilos no mar. Segundo um site de turismo, os australianos sabem muito bem como recepcionar os imigrantes. São educados e cordiais, sempre perguntando como você está, o que está fazendo, quais são seus planos… Não é à toa que a Austrália é conhecida como um dos países mais amigáveis do mundo.
A multiculturalidade do país é muito grande. Além dos brasileiros, asiáticos, árabes, indianos e europeus vivem ali. Mas o que ninguém fala é do real tratamento que imigrantes e refugiados recebem por lá. Você sabia que existem campos de detenção (que são chamados de campos de concentração) por lá? Isso mesmo. O anel era de vidro e se quebrou. Na minissérie “Stateless” (“Estado Zero”), coproduzida pela espetacular Cate Blanchett, que inclusive é embaixadora do UNHCR (Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados), o tratamento reservado aos refugiados é escancarado ao público.
Essa é uma série escondida na Netflix, e tão necessária. Com o avanço do Covid, paramos de dar a devida atenção às histórias dos refugiados que em seus botes precários se lançam ao mar em busca de um lugar que os receba, onde possam se sentir salvos.
Mas não é bem isso que acontece. Cate disse que, ao começar esse projeto, o que realmente queria era olhar por trás de toda retórica da detenção na imigração e lidar com a face humana de tudo isso.
Baseada em fatos reais, o seriado conta a história de quatro vidas que se entrelaçam em um campo de detenção de imigrantes: uma aeromoça tentando fugir de um culto, um jovem pai de família que aceita o trabalho nesse campo sem fazer ideia de onde estava se metendo, um refugiado afegão que tenta chegar a Austrália com sua família, e uma burocrata que é mandada até lá para gerenciar uma crise política que vem se transformando em um escândalo nacional.
Com um elenco impecável, a começar pela participação da própria Cate Blanchett, temos Yvonne Strahoviski (“The Handmaid’s tale”) no papel da aeromoça Sofie Werner que vive atritos familiares e busca acolhimento em um grupo/ seita/ culto chamado GOPA. Pós eventos nefastos, ela é expulsa do grupo e acredita estar sofrendo perseguição e ameaças. E tenta desaparecer. E consegue. Sem documentos e mentindo sobre sua identidade, ela é conduzida ao centro de detenção de imigrantes no meio do deserto australiano. A história de Sofie é baseada na história real de Cornelia Rau, que foi detida ilegalmente no ano de 2004.
Paralelamente, a história apresenta outras narrativas que vão se cruzando. Aos poucos as quatro tramas se fundem e todos se tornam vítimas desse sistema falido e cruel de imigração.
Historias lacerais, inacreditáveis, de pessoas que perdem suas identidades e são chamadas por números, que passam anos esperando por um visto que nunca chega.
“Stateless” explora e discute como o poder do Estado é abusivo, opressivo, falho e xenofóbico. Uma grande curiosidade da série é que alguns atores já foram guardas ou refugiados que concordaram participar contar o que realmente sentiram na pele nesses campos que existem até hoje.
Vale a pena tirar o final de semana para maratonar a produção que conta somente com seis episódios, que fazem você repensar tudo que conhece sobre humanidade, identidade, desespero e esperança. A busca de quem realmente você é.