Gabriela Moreno, 33 anos, é do tipo de pessoa encantadora de se entrevistar. Sorridente e até meio tímida ao se expressar e falar sobre si mesma, ela muda ao dar vida a suas personagens. Encara a arte de interpretar como uma leoa. Como ela própria diz, gosta de se jogar nos projetos e aproveitar as oportunidades por inteiro.
Sua formação é eclética. Começou no circo e partiu para acrobacia e o contorcionismo, depois foi para o curso de teatro, mas também faz kung fu e sandá [boxe chinês] para acrescentar a suas habilidades, além de mais flexibilidade, a base de tudo, que é o equilíbrio. É fluente em inglês e espanhol. Também fez trabalhos no exterior, passou pela Turquia e trabalhou um ano e meio se apresentando em um navio de cruzeiro como acrobata e bailarina, o que lhe rendeu ainda mais experiência. Ela ainda atuou na companhia catalã La Fura Dels Baus, no espetáculo “Cielo Arte”, dirigido por Pera Tantiñá. Ah, ademais ela é locutora, profissão que desenvolveu ativamente durante a pandemia.
Filha pai paulista e mãe pernambucana, o sr. Edson e dona Rose, tem muito orgulho de suas origens e se espelha na educação para reproduzir seus conhecimentos como pessoa e atriz. Acaba de estrear a série da Netflix “DNA do Crime”, com a personagem Cynthia e direção de Heitor Dhalia, sua primeira experiência no streaming, além de reestrear a peça “Bê a Bach”, espetáculo infantil que conta com mais três atrizes bailarinas, acrobatas e circenses.
Com participações em “Hebe”, onde fez uma das cantoras, e no longa “A Jaula”, dirigido por João Wainer, ela se prepara para começar a fazer curso de roteiro em 2024 a fim de poder produzir seus próprios conteúdos de atuação, e sonha em escrever curtas e longas-metragens.
Adora esportes, afora as atividades circenses, pratica ioga, anda de bike, faz meditação e curte viajar, ler e ir ao cinema. Uma personagem que gostaria de interpretar? Tár, do filme homônimo e cuja protagonista foi Cate Blanchett. Acredita que a arte é, sim, um veículo poderoso para formação e reflexões transgressoras de visões de mundo, e tenta imprimir isso no seu trabalho no teatro e no audiovisual.
Leia a seguir o papo que o CHNews teve com a artista.
Como nasce a artista Gabriela Moreno?
Bem, eu comecei no circo, comecei a frequentar por conta de um amigo, em um projeto social, e me apaixonei pela arte circense, vi muitas possibilidades dentro dessa linguagem, e dali em diante passei a praticar. Fui com tanto afinco para a coisa, que em alguns meses eu já comecei a trabalhar, em um ano eu já estava me apresentando e depois aconteceu a minha primeira apresentação no exterior. Primeiro eu fui para a Turquia e depois a uma turnê em um navio de cruzeiro, onde fiquei um ano e meio. Também trabalhei em uma companhia catalã.
Por que acrobacia, o que te encantou?
Eu acho que, especificamente falando de acrobacia aérea, que hoje a gente denomina como aerialista, foi a possibilidade de voar, de estar fazendo uma performance que exige tanta leveza, mas que ao mesmo tempo você precisa de força… Acho que tem muito a ver comigo também, pois tenho fragilidades, mas tenho muita força e resiliência. E também a ideia de alcançar outros desafios… Sempre fui uma artista muito curiosa e disposta a me jogar em tudo o que faço. O circo me trouxe muitos desafios, e me senti instigada, a quebrar meus limites e conhecer o que desconhecia.
“DNA do Crime”, da Netflix, é seu primeiro streaming?
Sim, é meu primeiro streaming e meu primeiro grande projeto no audiovisual, e logo de cara já peguei a maior produção da Netflix Brasil (risos), e eu estou muito feliz, radiante.
Fale um pouco sobre a série e sua personagem.
Da personagem em si, a Cynthia, não posso dar muitos detalhes, mas eu fiquei muito feliz quando recebi o roteiro e vi que era um papel que tinha muitas camadas e contradições. Eu me senti próxima a ela em alguns sentidos, e, em outros, muito distante. No geral, a Cynthia é muito astuta, ela é mãe e esposa de um dos integrantes de uma quadrilha. Pesquisei muito antes como parte da minha preparação, para entender um pouco mais dessas mulheres que são casadas com traficantes e membros de quadrilhas. Pesquisei sobre a esposa do El Chapo [Joaquín Archivaldo Guzmán Loera, narcotraficante mexicano ex-líder do Cartel de Sinaloa], isso me deu muitas ideias e uma outra perspectiva dessas mulheres, que sempre são estereotipadas. Eu acredito que a Cynthia não é assim, as mulheres dessa série não são assim. E é um prazer atuar ao lado da Maeve Jinkins, que é uma atriz que eu acompanho desde que comecei a atuar, sempre fui apaixonada pelo trabalho dela, assim como do Heitor Dhalia, o diretor. Então para mim é incrível estar ao lado de grandes nomes.
E como foi a expectativa para a estreia, que aconteceu no último dia 14?
Estou mais tranquila, tentando acalmar o coração, mas por dentro ainda estou ma pilha.
Você também estreou a peça “Bê a Bach”, no dia 9 de novembro, no Festival da América do Sul, em Corumbá.
A expectativa para essa estreia era a das melhores. É um espetáculo lindo, infantil, lúdico, lírico, com músicas de Bach [Johann Sebastian Bach]. São quatro atrizes bailarinas, acrobatas, circenses.
E o que mais vem pela frente?
Já comecei este ano, basicamente, mas no ano que vem quero escrever coisas. Pretende estudar roteiro para poder produzir meus próprios conteúdos, como uma longa-metragem.
Você tem vontade de fazer uma novela?
Sim. Eu tenho vontade de fazer muita coisa, de me jogar em novos projetos e experimentar situações novas.
Como você vê a representatividade trans no audiovisual atualmente?
Eu acho essencial, crucial a representatividade trans no audiovisual. Inclusive eu estou no meio, eu trabalho com muitas pessoas LGBTQIA+, eu sou uma pessoa LGBTQIA+, me relaciono com uma pessoa não binária. Então eu vejo como de suma importância, pois estamos conquistando aos poucos essa visibilidade. Passados alguns anos, e depois de muita luta, só agora estamos conquistando os meios. É preciso ter essas pessoas nas telas, no teatro, como escritores e escritoras, acho que esse cenário está mudando, está mais presente, e isso me deixa muito feliz.
E como é possível melhorar essa situação para que a representatividade seja constante?
Primeiro, eu acho que os grandes produtores, os que tomam conta de todo o negócio, devem se abrir para essas pessoas, elas devem ser contratadas, principalmente para escrever os roteiros, para estar nas equipes. Fiquei muito feliz de ver na série “DNA” uma equipe com pessoas trans, como na direção de arte. E creio ser importante proibir qualquer iniciativa de transfake, como o que aconteceu no longa-metragem “Agreste”. O importante é dar atenção à visibilidade trans.
Como você lida com as redes sociais?
Eu acompanho, uso mais para o meu trabalho, não sou do tipo que fica fazendo vídeos meus e postando nos Stories (risos), tenho até uma certa resistência a isso, pois gosto muito de estar na vida concreta, real. Eu acompanho, pois gosto de estar atualizada sobre artes, política, cultura. Então meu feed é para isso. Mas, claro, olho os memes também (risos).
Como é sua rotina diária de treinos? E fale sobre começar a praticar kung fu e sandá.
Eu tenho uma rotina de treinos com artes marciais, pratico três vezes por semana, mas quando meus horários ficam muito turbulentos, eu faço uma ou duas vezes, depende muito da semana. E atrelado a isso eu coloco meus exercícios de circo e de acrobacia. Sou uma pessoa muito do esporte, então adoro praticar ioga, andar de bike, praticar escalada, de estar perto da natureza e de mexer o meu corpo.
Mas por que kung fu e sandá?
Kung fu é algo que me atrai desde pequena, porque meu pai lutou oito anos, e ele sempre me passava algumas coisas, como defesa pessoal, ou com espadas e armas desta arte. Além de eu achar que isso tem uma beleza, uma dança, uma coisa de essência, de meditação. Depois que eu cresci, em um momento em que estava com a vida corrida, mais caótica, achei que era hora de dar uma focada, uma respirada, e foi quando procurei o kung fu. E muito por coincidência, em um lugar próximo onde moro, na Vila Mariana (SP), eu fui a um dojo [academia de kung fu] cujo mestre havia sido professor do meu pai. E tem mais uma coincidência, o coreógrafo da série “DNA” foi mestre deste meu mestre do dojo, então está tudo interligado. O kung fu e o sandá me trouxeram uma sensibilidade, abriram meu olhar para outras coisas e me permitiram respirar, ter menos ansiedade e mais controle, mais foco, disciplina. Ah, e foi essencial para a série também. Eu comecei nestas artes marciais um ano antes de ser convidada para o teste, sem saber que haveria uma cena minha de luta. Eu sou do tipo de atriz que gosta de fazer, então prefiro sempre dispensar o dublê e fazer eu mesma, foi muito gratificante.
Você é ligada em moda?
Para ser sincera eu não sou ligada em moda, mas sou curiosa. Desde que aderi ao circo, minhas roupas foram pelo caminho do confortável, até pela liberdade de movimentos, e percebi que também posso montar um look com conotação fashion dentro deste meu estilo.Eu tenho um amigo fotógrafo que me ajuda muito nesse sentido, porque eu mesma sou muito básica, sou da roupa de movimento, gosto de estar confortável.
E beleza, você tem algum ritual?
Olha, a primeira coisa que faço é ficar bebendo água, mas também me cuido, faço skincare, cuido da minha pele, até porque se eu trabalho com a minha imagem devo dar atenção a isso, gosto de mudar meu cabelo etc. Mas nada exagerado, gosto de estar equilibrada, acho que a palavra para isso é equilíbrio.
Você fez uma participação no filme “A Jaula”, como foi trabalhar com João Wainer?
Eu fiz uma pequena participação no filme, foi meu primeiro longa-metragem, e logo de cara tive que entregar, porque era uma cena de sexo. Os roteiristas argentinos ficaram muito satisfeitos com o resultado, o que me deixou extremamente feliz. Trabalhar com o João foi uma delícia, ele é um querido, próximo, humilde. O teste foi basicamente uma conversa, eles queriam me conhecer, entender o que eu achava do nu em cena, e eu já tinha feito muito isso na escola de teatro, na performatividade, então a gente teve uma conversa bem legal, eu entendi a proposta do que ele estava querendo com a ideia da cena. Foi muito legal trabalhar com o João.
Você também fez uma participação em “Hebe”.
Sim, eu fiz uma das cantoras. Eu sempre cantei, no teatro também, mas nunca tinha cantado no audiovisual. Então quando rolou essa participação, a gente foi para um estúdio, estava o Branco Mello, o que foi demais porque sempre fui fã dos Titãs, e fomos gravar na Globo, que foi minha primeira participação em TV, vi como as coisas funcionavam. Foi muito interessante.
Tem algum personagem que você adoraria fazer?
Tem muitos (risos). Olha, o último filme que me marcou bastante, que eu achei a personagem bastante complexa, foi “Tár”, com a Cate Blanchett, então esse seria um papel que eu acharia maravilhoso fazer. E tantos nacionais, porque me identifico com muitas atrizes do nosso país, como Fernanda Torres, a Fernanda Montenegro, a própria Maeve Jinkins, mas são muitas, é muito difícil escolher uma única personagem (risos). Acho que eu ainda nem conheço a personagem que eu gostaria de fazer.