Ela é francesa, filha de pai cineasta e mãe diretora de arte. Vem de uma família com seis filhos, quase todos envolvidos com cinema, mas só ela é atriz. Escolheu o Brasil como sua casa e sua base de trabalho, e deu certo.
Alli Willow, a freira Emily da série “O Jogo Que Mudou a História”, parceria entre AfroReggae e Globoplay, vem despontando em diversos papéis no cinema e no streaming com seu talento e vontade de criar personagens diferentes. Sua estreia em longas foi nada menos que em “Bacurau”, e com ele foi para Cannes representar o Brasil com colegas de elenco, além de ter sido indicada a Melhor Atriz Coadjuvante pela Academia Brasileira de Cinema.
Em 2025 Alli estará nas séries “Americana”, do Disney+, e “Espécie Invasora”, de Rosane Svartman e Patricia Pedrosa, do Globoplay. E tem estreia dos longas: “Criadas”, de Carol Rodrigues, “Yellow Cake”, de Tiago Mello, e “Allucinação”, de Eduardo Albergaria – Canal Brasil e Globoplay. Tantos convites para interpretar e criar só pode ser reflexo da qualidade de sua atuação.
Dedicada e pesquisadora nata, chegou ao Brasil sem falar nada do idioma, e por dois anos esse foi seu objetivo: aprender e dominar a língua portuguesa para poder atuar e se desenvolver como atriz. Aprendeu no dia a dia, com as pessoas com quem convivia. Sua chegada ao Rio de Janeiro se dá com um convite para participar de um elenco de apoio, o que, segundo ela, à época, sem falar português, não entendia direito o que era. Mas veio, queria dar o start em sua carreira depois de se formar em atuação em Nova York.
Além de atuar, Alli também canta, é roteirista, diretora e artista plástica. Aliás, para o ano que vem ela ainda pretende dirigir um dos dois curtas que escreveu e finalizar seu primeiro longa-metragem. É bom ficar de olho nela, porque vem coisa boa e novidades por aí.
Leia a seguir o papo que CHNews teve com a atriz via Zoom.
Como nasce a atriz Alli Willow?
Eu sempre fui uma criança muito criativa e cresci em uma casa igualmente criativa. Minha mãe é diretora de arte e meu pai cineasta focado em documentários. Ele também criava muitos cenários, paredes de mosaico e minha mãe sempre desenhando, era muita criatividade. Os dois tinham essa veia na arte que automaticamente passaram para a gente.
Por que o Brasil?
O Brasil surgiu em um momento em que eu estava um pouco perdida. Me formei em Nova York e quando saí de lá, eu sabia atuar, sabia entrar em cena, mas não sabia conviver com o fato de ser uma atriz, porque é uma caixa que vem com muitas coisas, e Nova York é um lugar com uma competição muito intensa. Com a idade que eu tinha, 22 anos, fiquei um pouco frustrada e sem saber por onde começar, onde ir. E com a França eu realmente não me identificava, eu sabia que não era para eu ficar na França. Foi quando conheci a irmã de Flávia Lacerda, que foi diretora na TV Globo, e ela me disse que a Flávia estava procurando elenco de apoio, estrangeiras. Eu disse: “Estou pronta, só fazer minha mala e já vou”. Então vim para o Brasil e quando cheguei no Rio tive a intuição de que seria uma cidade legal para trabalhar e morar, só faltava falar a língua.
Como você aprendeu a falar português?
Convivendo com brasileiros. Tanto que quando cheguei na sabia falar nada, nem sabia o que era elenco de apoio, eu só fazia o que me mandavam, mas não entendia nada (risos).
Quais foram o principais perrengues quando você chegou ao Brasil para trabalhar?
Primeiramente, a língua, porque para qualquer profissional é imprescindível o domínio do idioma. Sem fazer um curso, sem passar pelo acadêmico, a gente tem que se esforçar para aprender com as pessoas, foram dois anos praticando. Mas também tinha o fato de entender o país, a cultura, como aquele país se relacionava com a carreira de atriz. O Brasil é formatado na cultura, e no audiovisual, especificamente, com “quadrados” bem definidos, e, às vezes, é só você entrar em um deles para abrir uma gama de possibilidades, e isso eu não sabia. Para encontrar uma agência de confiança demora. E tem mais, você entra com uma certa ingenuidade, não vem com os códigos do lugar. Eu morava no Recreio dos Bandeirantes, era muito longe de tudo o que eu buscava, o centro cultural, como o que havia na zona sul, para onde me mudei mais tarde. Entender todas as nuances que englobam a profissão, o DRT [registro profissional para atores e outras áreas], entender o Rio de Janeiro e eu, como uma mulher muito nova na época, como me via em um lugar como o Brasil.
E você já entendeu o Rio de Janeiro?
Não (risos), mas já me habituei bastante. É difícil chegar e ser colocada no olho do furacão da cidade.
Como foi participar de produções como “Bacurau” e receber indicação como Melhor Atriz Coadjuvante pela Academia Brasileira de Cinema?
Para mim é muito forte, porque “Bacurau” foi meu primeiro longa. Eu me apaixonei pelo roteiro, embora a minha personagem ainda não tivesse sido criada na história, então deixei de lado porque não queria sofrer, queria que viesse com leveza. Era tudo muito novo, primeiro longa, primeira megaestrutura de filmagens. Estar no set com diretores [Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles] que eu já conhecia e admirava, foi muito interessante. Eu não sabia direito o que viria, mas eu estava pronta para me entregar por inteiro. Eu queria fazer um trabalho que honrasse a potência da obra. Ir para Cannes pelo Brasil, país para o qual eu entreguei uma parte da minha vida… Não seria igual ir para o tapete vermelho de Cannes pela França, eu fui pelo Brasil, foi uma realização, um sonho.
Você é uma multiartista, atua, canta, é diretora, roteirista e artista plástica, como você lida com todos esses talentos?
É muita coisa, não? De fato, eu tenho mais vivência profissional como atriz. Roteiro foi algo pelo qual me apaixonei durante a pandemia. Comecei a escrever. Meu processo de aprendizado passa por caminhos muito lineares, não sou acadêmica, saí dos estudos muito cedo para me entregar à profissão. Tanto roteirista como diretora eu ainda não tive a minha estreia, é uma parte que está sendo construída.
E a artista plástica?
É a minha grande paixão. Não sei se sou tão boa, mas é minha terapia para a vida, pintar, fazer esculturas, procurar imagens para criar. Meu desejo de consumo são telas, eu quero comprar tinta, uma câmera, essas coisas.
O que te atrai no audiovisual?
Eu acho que primeiro foi o fascínio do cinema, a tela muito grande. A primeira vez que eu fui ao cinema, eu tinha uns sete anos, por aí, me lembro bem dessa experiência, fui ver “O Rei Leão”… Eu queria entender como acontecia toda aquela mágica, como uma imagem tão grande podia ser exibida. Tem um lado muito criativo meu, mas eu gosto muito de tecnologia. Audiovisual é a união da tecnologia com a imagem e a criatividade. Você cria uma história que conta coisas e mexe com a estrutura da sociedade.
Em dez anos de Brasil, como você avalia sua carreira por aqui?
Acho que a minha carreira está em um momento muito legal, estou muito feliz porque tive possibilidade de trabalhar de uma forma muito carinhosa com o meu desejo. Eu gosto muito de cinema, gosto muito de séries e é nisso que eu mais trabalhei até hoje, é o que consumo. Ainda não trabalhei muito na TV, mas eu gosto de transitar nesses meios. E por “Bacurau” eu fui aceita no cinema. Agora estou em “O Jogo Que Mudou a História”, acho que foi mais um degrau para a minha carreira. Estamos em uma construção coerente entre a minha vontade e a durabilidade dos trabalhos.
Você está no papel de uma freira em “O Jogo Que Mudou a História”, de Heitor Dhalia e José Júnior, fale sobre como criou a personagem e a relação com a missionária Dorothy Stang.
A personagem Emily é uma homenagem que o José Júnior [autor e produtor] queria fazer para a Dorothy Stang. Ela realmente não conviveu com o ambiente de Ilha Grande, nem com o Rio de Janeiro, a história dela é no Pará. Quando ele me falou isso eu fui naturalmente pesquisar, tem esses elementos, ela é americana, eu fui costurando com quem eu sou. Houve também aspectos que eu vi nas entrevistas da Dorothy. Ela era uma senhora, com uma fala muito direta, mas muito doce. Tem um lugar de espalhamento de brincar com entrevistas, ficar repetindo, treinando, ela tinha um sotaque, trabalhei certos gestos. Eu queria trazer essa homenagem não só para criação da personagem como para o elemento concreto. O meu trabalho passa muito por etapas de pesquisas, que gosto muito, a nossa preparação na AfroReggae foi muito importante para isso, visitamos muitas comunidades, presídios, fomos a muitos lugares e conversamos com várias pessoas. Teve um dia, por exemplo, que eu participei de uma conversa, sozinha, com quatro figurantes que eram ex-detentos, nós fizemos uma improvisação juntos, mas eles usaram partes da vida pessoal deles. Comecei a ver as diferenças entre mim, que sou extremamente emocional e reativa, com a personagem, que tem um jeito completamente diferente de se relacionar com as situações. José Júnior me mostrou isso, de não ser reativa, de não demonstrar e deixar aberto para o outro interagir e se abrir, contar a história e você aprender. É o jogo de perceber como a gente se distancia e ao mesmo tempo abre o coração. Eu trabalhei muito com o meu preparador, Gonzaga Pedrosa, e nós praticamos abertura e retração. Acho que é uma mistura, porque tem essa homenagem para Dorothy, e, ao mesmo tempo, tenho que trabalhar com esses encontros entre mim e a personagem.
Quais foram os maiores desafios das gravações?
Nós gravamos em muitos lugares, cujas realidades são atravessadas. Acho que o único perrengue que eu passei foi uma noite que gravamos em pleno Carnaval e eu não conseguia chegar no set. Estávamos rodeados por barracas de caipirinhas e pessoas pulando (risos).
Como avalia a recepção do público brasileiro com os seus personagens?
Eu tenho sentido um movimento nas redes sociais, recebo muitas mensagens fofas, acho que a minha personagem com o Belmiro (Jailson Silva) tocou muita gente. Talvez eu não tenha a real noção do alcance, mas as pessoas que me abordaram era o público que eu queria muito alcançar. Uma vez eu peguei um mototáxi e o piloto começou a gritar que estava levando a freira Emily para casa (risos). Estou acessando pessoas que eu não acessava antes, levando em consideração o lado artístico, mulheres que me abraçaram, fico muito feliz, porque é para isso mesmo, para eles se divertirem.
Fale sobre a série “Americana”, do Disney+.
“Americana é muito massa, dirigida melo Maurílio Martins. É uma personagem muito diferente de tudo o que já fiz. Não posso falar muito sobre o enredo e tal, mas posso dizer que acontece em 1880, no Brasil, na região que hoje se chama Americana. É uma invasão por conta da Guerra de Secessão e a construção desse lugar, então envolve muitas questões como racismo, colonialismo. Foi muito complexo entrar nesse universo, mas eu adoro o trabalho do Maurílio, gostei muito de trabalhar com ele.
Como lida com a redes sociais? É mais de ver ou de postar?
Estou mudando a minha relação com as redes, porque depois da pandemia fiquei com um pouco de “dedos” se queria estar nelas ou não. Estou fazendo um museu nos Stories, artista da semana, filme da semana, estou tentando administrar quem sou eu dentro dessa rede. A gente posta muito coisa de trabalho, mas quero também postar outras coisas que gosto.
O que podemos esperar de Alli Willow daqui para frente?
Estou superanimada, começando a sentir que está vindo muita coisa, porque a gente vai trabalhando e de repente tudo estreia junto (risos). Quero fazer papéis extraordinários, que me tirem da zona de conforto, gosto muito desses desafios. Para o ano que vem, gostaria de fazer a direção de um dos meus dois curtas. Estou finalizando um longa-metragem também.