Um encontro, uma história nova. Completamente solitária, Norma (Nívea Maria) está no apartamento que acabou de alugar, quando conhece Renato (Rainer Cadete), antigo inquilino do imóvel que aparece para pedir a ela que informe seu novo endereço e telefone, caso seja procurado. A liberdade de Renato incomoda Norma, as diferenças começam a vir à tona e o embate é inevitável. Mas expurgar as dores é também liberdade. E no decorrer do espetáculo revelações surpreendentes mudam os destinos dos personagens e novas possibilidades nascem do que antes parecia ser apenas o vazio.
Esse é o tema da peça “Norma”, texto de Dora Castellar e Tônio Carvalho que retorna aos palcos em nova montagem dirigida por Guilherme Piva,que estreia nesta sexta (15.03), no teatro Vivo, em São Paulo. Dispensando apresentações de seu trabalho na dramaturgia brasileira, Nívea Maria falou com CHNews, via Zoom, sobre a peça e suas expectativas para a estreia do espetáculo. “Quero convidar a todos a assistirem a peça e a viver essa experiência conosco”, diz.
Nívea, que começou sua carreira no balé clássico, foge um pouco da formação tradicional escola-palco. Autodidata e com o privilégio de trabalhar com grandes damas do teatro, como Tônia Carrero, Fernanda Montenegro e Bibi Ferreira, ela desenvolveu suas habilidades de interpretação na raça. Aos 14 anos, foi indicada a fazer comerciais de TV, e, por causa deles, acabou sendo convidada a a fazer sua a primeira novela na extinta TV Excelsior, em 1964, e daí não parou mais. “Na verdade, eu não pensava em seguir na carreira, mas como foram aparecendo papéis pequenos, participações umas atrás dos outras, eu continuei. Até que apareceu uma protagonista, na extinta TV Tupi, em uma novela chamada “O Preço de Uma Vida”, onde contracenei com Sérgio Cardoso, que foi uma grande experiência para mim, porque ele era um grande ator de teatro. A partir daí eu fui para o Rio de Janeiro e comecei na TV Globo no anos de 1970.”
São quase 50 anos de uma carreira de sucessos e um sem-número de papéis que ficaram na memória dos telespectadores. Tantos folhetins de época e outros atuais que contaram com a exímia interpretação da atriz, mostram hoje uma mulher de 77 anos que está preocupada em aprender cada vez mais e ensinar um pouco do que sabe aos mais jovens.
Sobre Norma, sua personagem na peça, ela se deleita com a possibilidade de mostrar esse novo trabalho para o público. Para ela, a troca entre atores e público é o mais importante, além de um aprendizado. “Estou muito feliz de estar ao lado de Rainer Cadete, um ator jovem, da nova geração, de sucesso, muito sério, responsável, profissional, e uma direção de uma delicadeza, profundidade, grandiosidade, do Guilherme Piva, que está tirando da atriz Nívea Maria coisas novas, diferentes, o público vai ver. Então eu estou muito feliz de levar ao público neste momento o espetáculo “Norma”. É um presente para mim”, conta.
Mas erra quem pensa que por ter quase 50 anos de carreira Nívea é uma atriz que se acomoda nas situações, muito pelo contrário, ela estuda sem parar e almeja aprender com os mais novos, assim como transmitir a eles sua experiência. Aos que estão iniciando na carreira a dica é estudar e não desistir, porque a profissão de atriz ou ator não é fácil. “Preparar-se para o não sucesso, não digo fracasso, são coisas diferentes, porque para mim nunca é fracasso. Mas é importante aceitar, porque as pessoas não são obrigadas a gostar daquilo que você faz como ator ou como atriz.”
Leia a seguir a entrevista que CHNews fez com a atriz.
Você chegou a estudar teatro?
Não, eu nunca estudei teatro, sempre digo que a minha arte da interpretação veio do balé clássico, porque como eu não tinha técnica para o balé, eu me expressava muito como o corpo, com o rosto. A minha escola foi atuando ao lado de grande atrizes da minha geração, como Tônia Carrero, Fernanda Montenegro, todas essas atrizes de teatro… Bibi Ferreira depois, elas foram as minhas professoras. Acho que isso que me traz, nesses quase 50 anos de carreira, essa seriedade, essa responsabilidade com a minha profissão, porque eu acho que através do meu trabalho eu estou levando cultura para o público, por meio dos textos da literatura, porque eu fiz muitas adaptações de romances brasileiros para as novelas.
A TV mudou tudo para você?
Sim. A televisão tem uma técnica diferente de atuação, de diversão e de usar a sua imagem como atriz. Eu acompanhei as modificações todas da tecnologia. Conheci o videotape, que na época era como se chamava, então eu tive experiência em fazer novelas por videotape, que eram gravadas e transmitidas para o Brasil inteiro, até o momento em que fiz uma novela chamada “Maria, Maria”, em que eu fazia dois personagens, e a tecnologia mais uma vez ajudou muito. Hoje eu acho que a tecnologia prejudica um pouco a teledramaturgia na TV, porque muitas coisas são efeitos visuais. Antes a gente gravava as cenas nos locais, nas cidades… Claro, algumas continuam com isso. Mas a gente mostrava o local real onde se passava a história. Eu respeito muito toda essa novidade da tecnologia, as cidades cenográficas, que a televisão traz. Mas hoje estou mais focada no teatro, que está me dando a oportunidade de voltar à minha raiz, de criar a personagem e levar para o público, com ele ali presente. O trabalho e a técnica no teatro são muito modificadores, é bom para quem faz e para quem vai assistir. Eu acho muito importante a gente ter teatro e levar teatro para o público em todas as regiões do Brasil.
Com sua vasta experiência na TV, como é voltar ao teatro. Claro, você fez “Ensina-me a Viver”, também no teatro. Gostaria de saber também o que há de comum entre esses dois textos.
Olha, tem algo em comum no sentido de que os dois personagens que eu faço são mulheres da minha faixa etária, mulheres reais, com histórias reais, que a gente vê hoje na sociedade, que são mulheres mais experientes, otimistas e mais resistentes às pancadas que a vida dá, e no caso de “Norma”, agora, uma mulher que vive uma relação com o filho… E hoje a gente vive tantos conflitos familiares, complicadas, e “Norma” traz um texto muito profundo, verdadeiro e real que pode ajudar muito a quem vai assistir. Digo da nossa responsabilidade de fazer teatro e levar cultura, que é uma forma de ensinar e levar mensagens para o público.
Como é interpretar Norma e contracenar com Rainer Cadete?
Eu como atriz me preparo todos os dias a cada trabalho. Então, primeiro estou muito feliz de estar ao lado de Rainer Cadete, um ator jovem, da nova geração, de sucesso, muito sério, responsável, profissional, e uma direção de uma delicadeza, profundidade, grandiosidade, do Guilherme Piva, que está tirando da atriz Nívea Maria coisas novas, diferentes, o público vai ver. Então eu estou muito feliz de levar ao público neste momento o espetáculo “Norma”. É um presente para mim.
Falar de dor e fraturas é mais difícil, embora a peça retrate amor?
Com certeza. É uma peça que exige muito, a parte emocional fica esgotada, porque ela vai desde o sofrimento de um mãe, de coisas que ela viveu, até um surto de nervoso, lembranças de coisas que ela viveu, coisas bonitas, tristes e duras… Então é um exercício que me obriga a me aprofundar bastante para o público viver junto comigo a personagem. Sofrer, rir, chorar, se sentir feliz e se sentir bem.
Exige muito?
Exige muito sim, mas eu estou em uma faixa etária, de repente, que eu sou uma pessoa que está muito bem de saúde e que aguenta, mas, às vezes, eu me sinto um pouco assustada e fragilizada por talvez não poder chegar ao ápice que o personagem está me pedindo. Eu estou com 77 anos, e não sou mais uma jovem, apesar de ser saudável e leve como pessoa, apesar de todos os problemas que os brasileiros vivem hoje, eu sou uma pessoa leve. Mas é puxado sim, desgastante. Tenho certeza quer virá um sucesso aí para a minha carreira, se Deus quiser.
Como você vê hoje a presença das mulheres mais experientes no audiovisual? Você acha que o etarismo atrapalha, já passou por isso?
Com certeza existe, porque eu acho que eles ainda estão tentando descobrir como acertar, como conquistar as coisas. Então eles ainda não perceberam que uma pessoa que tem uma experiência maior – eu não estou falando em idade -, que tenha tido uma vivência maior em determinados assuntos possa transmitir mais que um jovem, que é bonito, saudável, que está todo inteiro, mas que não viveu coisas. Então acho que deveriam abrir as portas para pessoas mais maduras e mais velhas, porque elas podem ajudar muito no audiovisual, podem colaborar com soluções, às vezes, por elas já terem vivido aquela experiência. Eu tenho filhos jovens, netos de 15 anos, e estou aberta a aprender muito com eles, e eles têm que estar abertos aprender com a agente. Por mais que a tecnologia tenha trazido modernismos e coisas novas, de repente a gente tem a solução para alguma coisa que vira tudo mágico. Eu penso do lado positivo, não me revolto, não me magoo, não me sinto rejeitada. Eu procuro o meu lugar sem embate.
O teatro não é assim.
Não, inclusive o que temos hoje no teatro também são peças mais tradicionais, peças que têm mais profundidade, temos musicais que contam as histórias de autores, cantores, pintores, artistas e seres humanos que foram importantes, e o público gosta disso, tanto que estamos com nossos teatros lotados, graças a Deus.
O que você gosta de fazer nas suas horas vagas?
Eu gosto de ficar com os meus cachorros, inclusive sou uma pessoa adepta a ter animais em casa, acho que ajuda muito o ser humano e pessoas que têm uma vida muito corrida, pois mexe muito com o emocional, o cachorro traz um amor, um carinho, uma aceitação que é muito importante. E gosto de estar com os meus netos também. Como eu criei os meus filhos, os meus netos são resultado de uma boa criação, de filhos que eu tenho muito orgulho. Se tem uma coisa que me deixa mais fragilizada e emocionada é a saudade dos meus netos. Eu gosto muito de conversar, de encontrar amigos, de trocar ideias. Eu preciso disso, minha profissão é de comunicação, então preciso estar atualizada, para levar para o público essa atualização. Mesmo sendo uma mulher da geração antiga, gosto de levar novidades para essa geração nova.
Você fez a “Dança dos Famosos”, mas faria um reality como o “BBB”?
Não, não faria, porque sou uma mulher normal, já tive problema de depressão, problemas emocionais na minha vida, que fizeram com que me desestabilizasse. Então eu jamais buscaria algo que me desestabilizasse ou me irritasse de novo.
Você gosta de cozinhar?
Gosto muito. Aliás, as atividades de dona de casa, de mãe, essa coisas, são como uma terapia. Cuidar da sua casa, fazer uma comida, sair da sua rotina normal de trabalho profissional, limpa a sua cabeça, você está fazendo uma coisa boa. Cuidar da casa, fazer comida, cuidar das pessoas é uma terapia para a gente.
Como você lida com as redes sociais? Acha importante ter um posicionamento político-social nessas plataformas?
Eu nunca me coloquei, verbalizei coisas políticas na minha rede social, mas acho que meu atos, minha postura e minha maneira de viver, que muita gente conhece – eu realmente trabalho no Instagram, vejo o retorno das pessoas que me acompanham -, elas respeitam e aceitam muito bem. Acho que temos que respeitar as diferenças e o que o outro pensa diferente de você, e a maneira do outro ser. Hoje se discute muito o problema do racismo, da sexualidade das pessoas, acho que o que me foi dado em primeiro lugar, como educação, é o respeito pelo outro.
O que você gosta de fazer como atividade física? Vi que você faz caminhadas.
Exatamente, antes eu fazia mais alongamento, mas quando estou fazendo espetáculo preciso trabalhar um pouco melhor o corpo, não no sentido estético, mas para a resistência física, para ficar uma hora e meia, duas no palco. Eu caminho muito e trabalho demais a minha cabeça. O caminhar, para mim, além de ser uma coisa boa para o corpo, é bom para a minha cabeça, gosto de estar perto da natureza, respirar ar puro, quando posso viajar sempre vou para lugares tranquilos.
O que você diria aos novatos que estão começando a carreira agora?
Em primeiro lugar, não deixar de estudar. A cultura e a informação que você adquiri por meio do estudo e da leitura vai ajudar muito. Eu fiz isso na minha carreira, faço isso até hoje. Mergulhar em leituras de grandes romances, o que é muita informação. Preparar-se para o não sucesso, não digo fracasso, são coisas diferentes, porque para mim nunca é fracasso. Mas é importante aceitar, porque as pessoas não são obrigadas a gostar daquilo que você faz como ator ou como atriz. Atuar é uma troca, é um aprendizado mútuo, de informações, de sentimentos, de sensações. E levar a sério e não desistir, porque não é fácil.
Teatro Vivo – Avenida Doutor Chucri Zaidan, 2.460, Morumbi, SP. Até 05 de maio.