No dia 21 de setembro de 2024, A Gentil Carioca, um dos mais importantes espaços de arte contemporânea no país, celebra seus 21 anos de existência, mantendo-se fiel ao propósito de captar e difundir a diversidade da arte no Brasil e no mundo. A comemoração dessa maioridade vanguardista reunirá um grupo representativo de artistas da cena carioca em um evento festivo.
Miguel Afa
Artista proeminente no cenário da arte contemporânea carioca, Miguel Afa apresenta sua primeira individual na Gentil Carioca, reunindo um conjunto de dez pinturas inéditas, além de uma instalação site specific que ocupará a área da galeria conhecida como piscina. O texto de apresentação da mostra é assinado pelo rapper e compositor Emicida.
Resultado da produção recente do artista, a exposição reúne reflexões sobre território e memória. Nascido no Complexo do Alemão, Afa transpõe para as pinturas seu olhar sobre as transformações desse lugar e dos corpos que o habitam. As imagens figurativas, pinçadas da memória através das recordações da infância, integram-se às várias camadas de significado dispostas no campo pictórico dos trabalhos.
Lembranças como “da terra indo embora do quintal para dar lugar ao concreto, as árvores frutíferas cortadas, os corpos racializados sendo lidos como marginais”, como conta o artista, conectam-se também a vivências de convívio fraternal. O título da exposição é uma referência ao sentimento de “cuidado e ordem afetiva”, oriundo desse lugar de memória, de que o artista se imbuiu para produzir as obras da exposição.
Elemento muito presente na pesquisa de território do artista, a pipa surge em grande parte dos trabalhos atuando como um fio condutor da mostra inédita. A representação desse objeto de desejo da infância se dá ora como elemento geométrico, ora como um recurso lúdico, ou apenas como um brinquedo em suas composições. Uma das principais pinturas da mostra, inspirada em “Um Retrato de Artista”, do britânico David Hockney, exibe uma piscina de pipas com a Serra da Misericórdia do início do século 20 como cenário ao fundo – um conjunto de montanhas verdes em torno da Igreja da Penha, onde mais tarde se estabeleceu o Complexo do Alemão. Como um campo expandido dessa pintura, uma instalação site specific agrupará centenas de pipas no espaço da piscina da galeria, ampliando o imaginário onírico do artista para fora do quadro.
O estudo minucioso da cor e a escolha de uma paleta pouco saturada trazem significância e significado ao repertório poético, visual e temático da obra de Afa. Características que remetem a outras referências da história da arte, como alguns trabalhos do italiano Giorgio Morandi e do francês Edouard Villard, considerados por Afa como aqueles que conseguiram mostrar o interior pela matização da cor, que chegaram à “cor de dentro de casa”. Na obra do artista carioca, além de ser ferramenta para a investigação da pintura, a cor propõe uma reflexão racial profunda por meio da aproximação com a obra.
“Quando vista de longe, a cor, quase metafísica, não comunica o que a minha pintura está trazendo, o que se configura como uma analogia ao corpo racializado”, elabora Afa. “O primeiro olhar para esse corpo passa pela ideia preconcebida que conduz o pensamento a um lugar marginal, cheio de questões raciais e sociais. Somente ao se aproximar do quadro percebe- se a complexidade da existência desse corpo. Quando penso na cor da minha pintura, penso num corpo propondo uma cor e convidando o espectador a dar um ou dois passos à frente, a fim de compreender realmente o que está vendo”, conclui o artista.
Marcela Cantuária
Marcela Cantuária traz para a Gentil Carioca a remontagem da instalação de pinturas que apresentou na exposição “O Sonho Sul-Americano”, em 2023, primeira mostra individual da artista nos Estados Unidos. Nesta obra, Marcela reúne narrativas de ativistas e ambientalistas da América do Sul que permaneceram fiéis aos seus sonhos por meio da resistência e da luta por seus países e terras, incluindo figuras como Chico Mendes, Dorothy Stang, Maria do Espírito Santo da Silva, Túpac Amaru, entre outras.
Enquanto sua pesquisa destaca as injustiças vividas por esses personagens históricos, as pinturas apontam para a beleza da luta contada nessas histórias de ideais e batalhas, compartilhando com os espectadores a riqueza dos recursos naturais sul-americanos que muitos querem proteger.
Rodrigo Torres
Rodrigo Torres apresenta sua nova instalação, “Um Lugar Seguro”, composta por oito esculturas inéditas, que ocupará o primeiro andar do prédio 11 da sede carioca. Criados a partir do seu interesse por sobras de construções e elementos da natureza encontrados na Floresta da Tijuca, os trabalhos em exposição são o resultado de um longo percurso de experimentações por técnicas diversas, como pintura e colagem, chegando à cerâmica. O título da obra vem “do lugar da memória que fala do sentimento de proteção da infância, esse lugar para onde se pode retornar”, explica o artista. Valendo-se de ornamentos e refinamento nas composições, Torres subverte o gênero da natureza morta contemplativa, movimentando o espectador por questionamentos sobre a percepção do real – a exemplo das várias camadas sobrepostas que parecem cobertas por papelões, mas que, na verdade, são peças feitas em argila.
A Gentil Carioca – Rua Gonçalves Lédo, 11/17, sobrado, Centro, Rio de Janeiro.