Um conto de Aline Klein sobre uma mulher confinada em seu apartamento em tempos de pandemia global, adoecimento psíquico coletivo e o avanço de movimentos ultraconservadores de direita foi adaptado para a dramaturgia de estreia de Aline por meio do espetáculo “A Visita”, que tem direção de Murillo Basso – diretor de “Agnes de Deus”, em cartaz atualmente – e interpretação de Carol Duarte, que está em temporada com a peça “Babilônia Tropical” e em fase de divulgação do filme italiano “La Chimera”, drama protagonizado por Carol que foi escrito e dirigido por Alice Rohrwacher e selecionado para concorrer à Palma de Ouro no 76º Festival de Cinema de Cannes. A peça faz temporada no Sesc Belenzinho a partir do dia 24 de novembro.
O conto que inspirou a peça foi escrito durante a pandemia e condensa de maneira crítica e bem-humorada aspectos pessoais e coletivos da experiência que a população atravessa ao longo dos últimos anos no Brasil e no mundo. “A Visita” também marca a primeira participação de Carol em um solo. “A peça traz para a cena uma figura que embarca num processo de radicalização e fanatismo, levando sua narrativa ao limite entre ficção e realidade, porém propõe um recorte em que a protagonista vai pouco a pouco vomitando um ressentimento típico da elite decadente paulistana, que sonha, pateticamente, ser algo que não é”, diz a atriz sobre a personagem que interpreta.
No espetáculo, a mulher confinada recebe uma visita inesperada do trabalho. Ao tentar justificar sua situação, e atormentada por uma estranha presença, começa a falar ininterruptamente e se deixa levar por uma torrente de pensamentos até romper com a realidade e mergulhar num discurso ressentido, persecutório e delirante de superioridade. O público se depara a princípio com uma figura complexa, multifacetada, carismática e abjeta, difícil de capturar, difícil de definir, mas que pouco a pouco descortina um pensamento radical e conservador.
“O projeto conservador que se instalou no país segue entranhado no poder e não sairá sem um esforço coletivo de oposição permanente. É muito complexo elaborar os fatos históricos que estamos vivenciando, e parece que caímos todos num estado de consternação e incredulidade diante do absurdo”, comenta Aline sobre o contexto que inspirou a criação da peça.
A direção de Basso aposta numa imagem-síntese, enraíza a figura no palco, limita suas possibilidades de movimento e desloca a atenção para o trabalho minucioso da atriz, que mobiliza seus recursos para navegar o sofisticado labirinto dramatúrgico criado pela autora. O espetáculo aposta no humor como chave para lidar com a aridez e a violência do discurso da figura central, deixando o público o tempo todo em estado de atenção.
“Sabemos da complexidade e da densidade dos temas que estamos abordando neste espetáculo, mas acreditamos plenamente no potencial da arte e do teatro como plataforma para se discutir a realidade e propor novos futuros. Depois destes últimos anos sob ameaça constante, celebremos a liberdade democrática de fazer arte e sigamos em frente com olhos e ouvidos bem abertos”, diz Basso.
Sesc Belenzinho – Rua Padre Adelino, 1.000, Belenzinho, São Paulo.