Desde 1999, o Ceará faz parte do calendário de desfiles de moda do País, com a criação do Dragão Fashion Brasil, responsável por impulsionar nomes jovens criadores da moda nacional, como David Lee. Mesmo antes de sua criação, na década de 1980, Lino Villaventura e Liana Thomaz, da Água de Coco, já lançavam suas marcas que ganharam destaque internacional. Neste ano, das cinco marcas estreantes no SPFW, duas têm raízes no Ceará: Hist, da cearense Giuliana Braide, e Sau, de sua conterrânea Marina Bitu, também dona da label homônima. Essas são só algumas das marcas nascidas no estado que é um dos principais polos têxteis do Nordeste e vêm dominando o País.
De julho a setembro de 2023, o setor de moda online no Ceará arrecadou R$ 33,3 milhões, segundo dados da Nuvemshop, sendo o segmento que mais faturou no período e também o mais explorado no digital, representando 30% dos negócios. Vários fatores explicam esse sucesso, como investimento no mercado de influência, melhora de infraestrutura e condições de frete mais competitivas.
Segundo Daniela Falcão, jornalista e fundadora do Nordestesse, hub que reúne negócios criativos do Nordeste, “há três fatos históricos decisivos que explicam a potência da moda cearense”. “O desenvolvimento econômico notável do Ceará tem muita relação com o parque têxtil instalado nas últimas décadas do século 20. Com esse cenário, é mais fácil encontrar a profissionalização de estilistas, designers e marcas de moda”.
Ela ainda credita a Universidade Federal do Ceará, uma das pioneiras na estruturação de um curso de moda no Brasil, como responsável por transmitir conhecimento de moda para os jovens criativos do estado desde cedo. “Por fim, com tantos profissionais capacitados, encontramos diversas marcas consolidadas e grandes estilistas de impacto nacional, o que não só aperfeiçoa a criação local como também gera empregos para o estado. Isso somado à expertise nas manualidades e o apoio da prefeitura de Fortaleza a esses artistas de moda, garantiu aos cearenses o título mundial de cidade criativa de design, concedido pela Unesco.”
Apesar de um mercado de moda já bem consolidado no estado, designers e CEOs ainda relatam dificuldades quando se trata de conquistar outras regiões do Brasil. Existem exceções, como foi o caso da Isatrê, marca cearense que com apenas sete meses de existência abriu sua primeira loja física em Fortaleza e recebeu o convite para fazer parte da TramaLab, loja colaborativa que reúne marcas digitais no Shopping Villa Lobos, em São Paulo.
“A moda se concentra muito em São Paulo. Vários profissionais optam por se estabelecerem lá e diversas marcas e fornecedores também, então existe esse desafio de mostrar que o nosso estado também é uma grande potência. Não é necessário sair daqui para fazer sucesso, para fazer moda de qualidade. Temos também grandes profissionais e materiais que queremos impulsionar”, conta a fundadora Isabel von Haydin.
Para Daniela Falcão, ainda falta muito conhecimento em relação à criação de moda cearense. “Quem não conhece, não consome. Por parte do consumidor, é preciso se educar sobre o potencial dessa moda.”
Essa é uma das missões do Nordestesse, que busca formadores de opinião para espalhar informações sobre a moda nordestina pelo país. “Existe uma distância entre os universos do eixo Sul-Sudeste com os criadores do Nordeste. Nosso trabalho tem sido estreitar essas pontes, fazer com que os comunicadores conheçam de perto esse trabalho, seja levando até o Nordeste ou trazendo a produção para uma exposição em São Paulo, por exemplo.”
Conheça abaixo dez marcas cearenses que estão chamando a atenção de players da moda de todo o País:
Açude
Nascida em Juazeiro do Norte, no interior do Ceará, a marca tem seu universo inspirado justamente na região do Cariri. Seu nome, inclusive, é açude em homenagem à barragem de água construída no Nordeste no século 20 para diminuir os problemas de seca na região. A marca trabalha com tecidos de fibras naturais, como linho, rami e algodão, materiais mais frescos e que têm menor tempo de decomposição.
Baba
Estampas divertidas e exclusivas, desenvolvidas por artistas da região, fazem da Baba um sucesso nas redes sociais. Lançada em 2019 no DFB, a label de Gabriel Baquit ainda homenageia símbolos locais. Camisas, quimonos, cangas carregam representações de lugares como a Praça do Ferreira e a Praia de Iracema, paradas obrigatórias de Fortaleza.
Casa Aika
Fundada durante a pandemia, a marca alcançou rapidamente o sucesso e já integra o Nordestesse, além de ter conquistado celebridades como Pathy Dejesus. As modelagens democráticas são o diferencial, com peças fluidas que nunca saem de moda e vestem vários tipos de corpos.
Catarina Mina
Conhecida principalmente por suas bolsas de crochê e peças com renda de bilro, cada item da Catarina Mina leva um QR Code que direciona a uma página que conta a história de cada artesã responsável pelas criações.
David Lee
Em uma combinação descolada entre alfaiataria e sportwear, David Lee desafia os códigos da vestimenta masculina e já ganhou o título de Under 30 da Forbes. Seu trabalho com crochê dá novos ares para a técnica, reinventando o artesanal e levando para um contexto urbano. Com o sucesso da marca, o estilista vem expandindo sua atuação e criando linhas femininas.
Hist
Depois de passar cinco anos em Nova York, a cearense Giuliana Braide se inspirou no Brooklyn, um dos bairros mais descolados da cidade com uma miscelânea de culturas, para criar a Hist. Nascida em 2021, a marca celebra a individualidade com streetwear e alfaiataria desconstruída que será desfilada pela primeira vez no SPFW N56. Um dos pilares é a preocupação ambiental, explorando matérias-primas alternativas e investindo em metas sustentáveis para diminuir o impacto da cadeira da moda no meio ambiente.
Isatrê
A marca, que trabalha com linho puro como carro-chefe, nasceu em 2023 para vestir uma mulher moderna do dia até a noite, quebrando o estereótipo de que roupas fluidas, leves e confortáveis não podem ser sofisticadas. Criada no digital, a marca já expandiu sua atuação com uma loja física em Fortaleza e vendas presenciais em São Paulo, na Trama Lab.
Sau
A designer de moda Marina Bitu – também fundadora da label homônima – e a psicóloga Yasmin Nobre se uniram por meio da paixão pelo mar e o surf para criar a Sau, marca de swimwear que une designe e funcionalidade para conectar as mulheres ao oceano e desfilará na edição do SPFW que começa nesta semana. Com responsabilidade social como um dos pilares, a marca tem uma parceria com o projeto “A Maré Vida”, de Fortaleza, que promove o surf entre pessoas com deficiência e destina toda a renda da camiseta “amar(é) vida” à iniciativa.
Rebeca Sampaio
Uma moda cosmopolita com referências tradicionais do Ceará. Esse talvez seja o melhor jeito de definir as criações de Rebeca Sampaio, que cresceu na região do Cariri e faz questão de homenagear suas raízes por meio de cores (como tons terrosos), materiais (como linho e algodão) e técnicas, como o crochê feito em parceria com artesãos locais. Ao mesmo tempo, toques de neon, couro e aplicações em metal garantem uma pegada mais urbana.
Patú
As memórias da infância de Marina Fontanari em Senador Pompeu, no interior do Ceará, serviram de mote para a criação da Patú, que busca mudar as percepções do sertão como um lugar de escassez. As peças são todas produzidas manualmente no Ceará, inclusive por bordadeiras de sua cidade.