Há 18 anos, estreava “Um Circo de Rins e Fígados”, montagem que reuniu pela primeira vez os talentos de Marco Nanini e Gerald Thomas. O trabalho rendeu uma bem-sucedida trajetória, com direito aos principais prêmios da época e diversas temporadas. Quase duas décadas depois, o encontro desses dois ícones do teatro brasileiro vai resultar em mais um espetáculo: “Traidor”, com estreia marcada para 16 de novembro no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Produzido por Fernando Libonati, o novo trabalho foi sendo criado ao longo do último ano, a partir de uma intensa troca de mensagens entre o trio formado por Nanini, Gerald e Libonati.
Entre as duas montagens, o mundo sofreu transformações irreversíveis, como o trauma pós-pandêmico, a incontornável revolução digital com suas inteligências artificiais, o virtual substituindo o mundo real e a ruptura democrática sofrida em diversas escalas mundo afora. O texto de “Traidor” foi criado sob influência deste caldeirão contemporâneo, no estilo que consagrou Thomas.
E o ponto de partida foi justamente o espetáculo anterior, que é retomado e citado em algumas cenas, ainda que todo o mote agora seja outro. Desta vez, Nanini está isolado em uma ilha, é acusado de algo que ele não cometeu e dialoga com a própria consciência, com seus fantasmas e suas reflexões sobre o passado, o presente e o futuro. É como se toda a ação se passasse dentro de sua cabeça:
“Se houvesse um cruzamento entre Kafta e Shakespeare, então esse seria ‘Traidor’, uma espécie de híbrido entre o Joseph K, de ‘O Processo’, e Próspero, de ‘A Tempestade’, cuja mente renascentista olha para o futuro da civilização, perdoa seus detratores e os absolve’, resume o diretor.
Entre a tragédia e o humor, o otimismo e o pessimismo, Nanini conversa consigo mesmo e com as suas indagações, materializadas no elenco formado por Apollo Faria, Eder dos Anjos, Hugo Lobo e Wallace Lau.
A montagem traz a concepção visual do próprio Thomas, com figurinos de Antonio Guedes, iluminação de Wagner Pinto e a cenografia de Fernando Passetti.
“Traidor” marca ainda a volta de Nanini ao teatro, depois da pandemia e um período em que emendou trabalhos no audiovisual. Após “Ubu Rei” (2017), seu último espetáculo, ele esteve em novelas, estrelou o premiado longa “Greta”, de Armando Praça, atuou nas séries “Sob Pressão” e gravou “João Sem Deus”, que acaba de estrear no streaming. Ainda no período de isolamento, ele idealizou e produziu “As Cadeiras” com Libonati, que também dirigiu a adaptação do clássico de Ionesco. Nesta temporada, o ator ainda lançou a biografia “O Avesso do Bordado” (Companhia das Letras), escrita pela jornalista Mariana Filgueiras ao longo dos últimos cinco anos.
Reconhecido pela meticulosa construção de cada personagem e o apreço pelos ensaios, Nanini reconhece que o teatro segue sendo um oxigênio vital e indispensável, o que é reiterado por Thomas: “Nanini é o ator mais intenso que conheço. Não tenho dúvidas do que estou dizendo. Digo isso como diretor, mas também como autor. Como eu dirijo em pé, a um metro de distância dele, ouço cada respiração. Chego no hotel e continuo ouvindo a sua voz. Volto a ler o texto, faço a revisão e a voz. A voz do Nanini. Lá está, a voz. Cada respiração dele. Que prazer é, mesmo que só de 18 em 18 anos, escrever pra ele e dirigi-lo, ter Marco Nanini pela frente é tudo”, finaliza o diretor.
Sesc Vila Mariana – Rua Pelotas, 141, Vila Mariana, São Paulo. Temporada de 16 de novembro a 17 de dezembro.