“As andorinhas são os animais mais felizes do mundo. Muito triste ver o animal mais feliz do mundo em pedaços. O mais feliz. As andorinhas explodem todo começo de dia, e também no fim da tarde, aquela coreografia absurda e exata demais num ser com um espaço tão ridículo para os miolos. Fazem a farra”. A primeira frase inicia o livro e o espetáculo, que pareia o modus operandi das andorinhas ao dos homens gays, em uma livre adaptação do romance “Diga Que Não Me Conhece” (Ed. Todavia), de Flavio Cafiero, realizada pela dupla Ester Laccava e Vinicius Aguiar, diretora e ator do espetáculo “Diga Que Não Me Conhece”. A peça estreia no dia 1º de outubro no Teatro Itália, que fica no Edifício Itália, com sessões às terças e quartas, às 20h, e domingos, às 19h.
A obra explora a dinâmica das relações de amor, sexo e amizade na intensa cidade de São Paulo nos anos 2020, com um foco particular nos desafios enfrentados por pessoas LGBTQIA+ acima dos 40 anos, perfil do personagem central. Essa geração, que viveu em uma época na qual assumir sua identidade ou falar abertamente sobre o amor, era visto como tabu. Agora, com o fenômeno dos aplicativos e da liberdade nas relações tão extrapoladas, quanto rarefeitas, se depara com um estranhamento sobre como ser e amar.
Em um mundo de relações superficiais, hiperconexão e liberdade contraditória, o espetáculo retrata a solidão e as migalhas emocionais que sobram, na busca por reconstruir a vida em uma metrópole que oferece tudo e, ao mesmo tempo nada, vivida por Tato, o protagonista, deixado pelo namorado, um grande amor, que precisa redesenhar sua história na cidade, cercado de novos personagens que adentram em sua vida.
A narrativa se desenrola em um edifício emblemático no centro de São Paulo, onde o personagem central, interpretado por Aguiar, tenta refazer sua vida. O solo, dirigido por Laccava, é repleto de reviravoltas e envolve o público em uma conversa íntima sobre as complexidades das relações modernas, sobre afetos queer.
Sobre a relevância da obra literária, que será discutida e encenada no teatro, e a adaptação realizada pela dupla, Flavio Cafiero reflete: “Ter meu livro adaptado é a radicalização da morte do autor: a obra não é mais minha e atingirá as pessoas de outras maneiras. Gosto da ideia de acrescentar camadas sobre minha história, a do adaptador, a do ator, a do diretor e, por fim, a do espectador. Não colaborei diretamente com a adaptação, mas sempre mantive contato com a equipe. Minhas contribuições se dão na medida das necessidades, que têm sido poucas. Ver essas duas formas de arte irmanadas no palco é algo que me encanta. Sempre encantou. A transposição de linguagens me interessa”, revela. “Vivemos tempos de fragmentação da atenção e da fruição artística. Nesse sentido a arte em geral, mas o teatro e a literatura especificamente, são lugares de resistência. Sair de casa e assistir a um espetáculo de uma hora, sem interrupções, é um ato heroico em meio a vidas regadas a internet e smartphones. Mergulhar por horas, dias ou semanas em um livro é a verdadeira realidade paralela nos dias que correm”, finaliza Cafiero.
Teatro Itália – Av. Ipiranga, 344, Térreo. Edifício Itália. República, São Paulo.