Dora Freind tem só 26 anos e um currículo bacana de trabalhos nas costas. Extrovertida e bem articulada, ela falou com CHNews sobre carreira e trabalho, sua participação em “De Volta aos 15”, personagem Bruna, que ganhou mais vida na terceira temporada, de sua atuação no filme “As Polacas”, dirigido por João Jardim, em que ela, e outras atrizes, fazem polonesas que vieram ao Brasil para tentar uma vida melhor e acabam prostituídas.
“As Polacas” , que estreia em 14 de novembro de 2024, tem roteiro de Jacqueline Vargas e Flavio Araújo e roteiro final de George Moura. Estrelado por Valentina Herszage e Caco Ciocler, o filme conta com um grande elenco feminino: a própria Dora, Clarice Niskier, Anna Kutner e Isis Pessino, que interpretam as polacas. “Foi um dos personagens mais desafiadores que eu fiz na vida, porque é isso, a personagem, ela passa por muita coisa, por tortura, por muitos tipos de abuso”, conta Dora.
Ela ainda tem para estrear o filme “Mário de Andrade: O Turista Aprendiz”, de Murilo Salles, que atua como Dulce, filha de Tarsila do Amaral. “Eu estou tão acostumada a estudar personagens através daquilo que leio e eu li também muito para fazer a filha da Tarsila, tive a oportunidade pela primeira vez de poder também me inspirar em pinturas para fazer essa personagem.”
No teatro desde os 11 anos, sua estreia aconteceu no cinema aos 15, como o filme “Mate-me Por favor”, de Anita Rocha da Silveira, com quem repetiu a parceria no longa “Medusa”. Agora, ela está estudando roteiro, para poder se especializar na escrita de filmes e séries, coisa que é seu principal objetivo atualmente.
Leia a seguir o papo que CHNews teve com a atriz via Zoom.
Como foi o início da sua carreira artística? Como tudo começou?
Faço teatro desde meus 11 anos de idade. Iniciei no Tablado, mas a minha carreira começou mesmo quando eu tinha 15 anos, quando fiz o filme “Mate-me, Por Favor”, e foi uma mudança na minha vida, porque entendi que para além de um sonho, o cinema era realmente um trabalho. Foi um filme muito lindo, que estreou no Festival de Veneza, o que à época, eu não tinha dimensão do que era. Mas foi assim que começou minha carreira no cinema. Depois eu cheguei a repetir essa parceria com a diretora Anita Rocha da Silveira no filme “Medusa”. E foi assim que tudo começou.
Como você lida com bloqueios criativos ou falta de inspiração, acontece isso com você?
Sabe que não. Comigo acontece justamente o contrário, me sinto ultracriativa. São tantas as abas que se abrem na minha cabeça quando o assunto é criatividade, que procuro focar em determinadas coisas. Preciso aparar um pouco minhas arestas.
Como você define o sucesso na sua jornada como artista?
O que tenho muito orgulho na minha jornada é poder trabalhar de forma tão versátil, no sentido de em um momento estar fazendo “De Volta aos 15”, que é uma série voltada ao público jovem, e poder me comunicar com pessoas mais jovens, e ao mesmo tempo estar fazendo um filme do Murilo Salles (“Mário de Andrade: O Turista Aprendiz”), superexperimental, com um público nichado, intelectualizado, ligado no movimento antropofágico, sinto que esse dois extremos são um sinônimo de sucesso de poder fazer tantas coisas diferentes assim.
Existe uma pressão?
Acho que o que existe é o pensamento de será que eu vou dar conta? Isso quando leio uma cena e tal, me dá um frio na barriga, ao mesmo tempo que é um nervoso, sinto que é um desafio gostoso também. Acho que sou muito autocrítica, então, quando vou assistir, tem cenas que eu gosto, outras que me critico. Mas de uma forma geral eu fico sempre feliz, e tem que ouvir o público, porque é para eles que a gente faz.
Fale sobre sua personagem em “De Volta aos 15”, a Bruna, que retorna na terceira temporada.
Eu fique muito feliz quando li o roteiro da terceira temporada porque a Bruna… O que eu amo, é que ela é muito oposta a mim. Como os fãs estão me conhecendo mais nas redes sociais, eles comentam isso também, de como somos opostas, porque eu sou muito solar e a Bruna é muito rabugenta (risos). Legal na segunda temporada é que esse lugar rabugento, gótico, emo, aparece. E a gente vai para esse arquétipo. Aí, na terceira temporada, sinto que o roteiro me deu esse presente de mostrar outras camadas da personagem. Precisa entender que tem uma vulnerabilidade ali, porque quando ela se assumiu para o pai, o pai a deixa falando sozinha. Entender que ela, na verdade, é muito coração, é muito emocionada até. Senti que é quase como se a gente pudesse ter visto uns degraus mais a fundo. E aí, quando eu li isso no roteiro, eu fiquei feliz.
Você prefere trabalhar em séries de TV ou em filmes? Por quê?
Nossa, difícil responder. Porque eu sinto que cada um me estimula de formas muito diferentes. Eu amo essa coisa do cinema, de que tudo, tudo é feito com um perfeccionismo e com um tempo mais dilatado. Por coincidência, trabalhei com muitos diretores que, juro para você, a gente gravava, às vezes, um plano 32 vezes. Assim desde o meu primeiro filme. Me acostumei com isso. Então, eu gosto. Até, inclusive, eu sinto que eu sou uma atriz que, quando estou fazendo um filme, quanto mais takes faço, melhor eu fico. Ao mesmo tempo, o que eu amo de série e de novela é você ficar vivendo aquele personagem por muito tempo. Sinto que ele se torna muito vivo em você. Porque, pô, uma novela, eu estou lá há nove meses vivendo uma personagem. Em série, eu vivo, depois ela adormece. Eu vivo novamente. Então, isso dá um sentimento de muita vivacidade do personagem. Me faz até sentir mais saudade quando acaba.
Conte sobre o longa “As Polacas”, dirigido por João Jardim.
Nossa, esse filme vem em um lugar de uma realização, além de profissional, muito pessoal. Porque eu sou judia. Aqui em casa, a gente fala gírias em iídiche. A gente nem é de ir muito na sinagoga, mas temos essa cultura. A gente faz as festas. A gente come as comidas. E poder contar uma história, uma história que é tão importante… Historicamente falando, dentro da nossa religião, poder representar as mulheres… Eu lembro que, nas gravações, levava na minha bolsa, como um amuleto, uma foto da minha avó que é judia, veio da Romênia. Ela já morreu há muito tempo, quando eu tinha uns 10, 11 anos. Em termos de desafio, foi um dos personagens mais desafiadores que eu fiz na vida, porque é isso, a personagem, ela passa por muita coisa, por tortura, por muitos tipos de abuso. Então, foi uma grande responsabilidade dar conta disso, principalmente tendo sido uma história real, né? A gente não pode ser leviano. Sem dúvida.
Como que você aborda essas personagens fictícias e não fictícias?
Acho que essas personagens não fictícias me dão esse senso de responsabilidade de que eu sou não somente eu, claro, mas uma das pessoas que concebo para contar essa história que existiu. E a gente leu muito sobre, estudou muito, ouviu muito. Então, eu acho que tem esse senso aí de responsabilidade e também torna aquilo muito importante para mim, num lugar político. De dar luz a essas histórias, né? E eu acho que ao mesmo tempo, essas personagens que são fictícias também são deliciosas, como a criatividade, essa liberdade de criação entra em jogo. Porque tudo é possível, né? Nas personagens que são 100% fictícias.
Falando ainda de “As Polacas”, queria que você me contasse como que surgiu a oportunidade pra você fazer o filme. Como foi isso?
Olha, é muito curioso, porque o primeiro teste que eu fiz para “As Polacas” foi na pandemia, muito tempo atrás. O filme, inclusive, ainda ia ser feito com outro diretor, ia ser outra configuração. E mandei um vídeo fazendo uma cena em polonês. Porque há muito tempo eu fiz uma peça, “Toda Nudez Será Castigada”, do Nelson Rodrigues, em que eu falava em polonês. E aí eu mandei esse monólogo, falando em polonês, ninguém me pediu, mas eu falei, eu vou mandar. E além disso eu fiz o teste. Deu certo.
E você assistiu ao filme? O que achou?
Assisti. Nossa, mexe muito comigo. O filme é muito necessário, muito urgente. Acho que a minha coisa preferida do filme é que ele aborda essa violência sexual, mas de uma forma que não fetichiza as mulheres. Isso, para mim, é ouro. Sinto que não vem nesse lugar de falar dessas prostitutas floreando e, sabe, colocando uma trilha sonora sensual e a roupa de renda. Não. Denuncia isso nesse lugar grave que a coisa era. Sinto que não tem como um homem assistir e sentir prazer com isso.
E a sua personagem, queria que você falasse especificamente dela.
O que eu acho incrível da Débora é que ela me parece a única personagem ali que percebe a gravidade daquilo que está acontecendo. Porque as outras personagens estão mais anestesiadas. Sinto que a Débora é a responsável por estar sempre denunciando e até estar conversando com o público nesse sentido, de não está tudo bem, isso está muito errado e a gente precisa sair daqui, a gente precisa fazer diferente. É até algo que eu ouvi do público, das pessoas que assistiram ao filme em festival, esse lugar de por que está todo mundo no filme achando normal? Claro, porque elas se acostumaram com isso.
E foi difícil?
Foi muito difícil. O que eu sinto é que o diretor fazia questão de deixar o set um lugar muito leve. Todos nós fazíamos de tudo para que o set não fosse um ambiente pesado, já que tínhamos muitas cenas pesadas e violentas para realizar. Sinto que é sempre difícil quando você vê que a sua personagem está vivendo situações limite e que você precisa dar o tom certo de gravidade àquilo que está acontecendo. Então, foi muito difícil nesse sentido. A preparação também, mas eu sinto que lá foi tudo feito de uma forma muito coletiva e com apoio entre todos nós. E uma coisa muito bonita é que a protagonista, que é a Rebeca, ela é, na verdade, a minha melhor amiga há muitos anos, que é a Valentina Herszage.
O que você considera mais gratificante na carreira de atriz?
Sinto que o mais gratificante é que, através das personagens, posso viver coisas que sozinha nunca me proporia a fazer. Por exemplo, a Bruna (“De Volta aos 15”), eu tive que fazer aula de skate, de baixo, eu aprendi a tocar baixo. Sinto que cada personagem traz para minha vida coisas que eu sozinha não poderia imaginar. E eu, talvez, não tivesse essa iniciativa. Vai me dando um leque de habilidades e conhecimentos e vivências que vêm por meio da profissão. E eu sou muito grata a isso.
Como foi fazer a filha da Tarsila do Amaral em “Mário de Andrade: O Turista Aprendiz”?
Nossa! Sabe o que foi lindo? É que eu estou tão acostumada a estudar personagens através daquilo que leio e eu li também muito para fazer a filha da Tarsila, tive a oportunidade pela primeira vez de poder também me inspirar em pinturas para fazer essa personagem. Poder ter inspiração em um lugar muito sensorial, de cores, de texturas, de imagens. Eu pinto aquarela também de forma muito despretensiosa, como hobby.
Tem data de estreia?
Então, ainda não tem data de estreia nos cinemas. Agora a gente vai percorrer um caminho de festivais. A gente, na verdade, estreou no Festival de Curitiba, e acho que ainda vamos para outros festivais.
Me fala a sua relação com a moda.
Nossa, eu sou apaixonada por moda. Eu sou a louca do brechó. Amo brechó de paixão. Me identifico muito com peças vintage. É algo que me encanta. Tenho uma coisa curiosa, que é sempre que me perguntam sobre meu estilo, eu sinto que o meu estilo é muito múltiplo. Tem dias que eu me visto parecendo uma criança com estampa de fruta da Fábula, que é a marca infantil da Farm. Tem dias que estou totalmente punk rock, tem dias que estou totalmente vintage, futurista, então eu sinto que cada dia eu brinco de ser uma personagem também através da moda.
Você acha que a moda é uma forma de expressão?
Nossa, eu acho total. Para mim, cores no geral já me passam energias totalmente diferentes. Se hoje eu resolvo sair de rosa e com um sapato de pompom, isso para mim diz sobre o meu astral daquele dia. E se amanhã eu estou toda de preto e de couro, sabe? Eu sinto que isso influencia no meu astral verdadeiramente, no meu dia. Sinto que me expresso muito através da moda. Muito. E é algo que eu tenho interesse, adoro.
Você pensa antes de se vestir?
Não. Acho que eu penso quando eu tenho, por exemplo, algum evento, pensando em referências e acessórios que vou usar, mas no dia a dia eu sinto que eu estou ali no meu armário e quando vejo, muito rapidamente, já me vesti, e falo: “Ah, tá, é assim que eu estou me sentindo hoje”.
Quais são os planos para o futuro? O que você pretende fazer? Tem algum projeto em andamento, alguma coisa que você gostaria de fazer?
Olha, eu tenho um livro escrito e que no momento estou conversando com editoras, porque é algo que eu quero colocar no mundo. Estou fazendo aula de roteiro no momento, porque eu já escrevi peça, inclusive encenei na época da pandemia, mas quero colocar essa peça que escrevi com um amigo em cartaz. Estou começando a me interessar por esse lugar de roteiro de filme, roteiro de série, é algo que estou agora primeiro estudando para poder não fazer isso de forma impulsiva, da minha cabeça, e, sim, com recursos de técnica mesmo. Tenho pensado cada vez mais em investir nas coisas autorais, porque é algo que eu tenho interesse.