Em sua dramaturgia de estreia, Aline Klein apresenta ao público uma mulher solitária em seu minúsculo apartamento e nos faz refletir sobre o adoecimento psíquico coletivo e o avanço de movimentos ultraconservadores. “A Visita”, com Carol Duarte, que estreou em novembro de 2023 no Sesc Belenzinho (SP) com sessões esgotadas, desembarca no Rio de Janeiro para uma nova temporada entre 1º de julho e 6 de agosto, com apresentações às segundas e terças-feiras, às 19h, no Teatro Firjan Sesi Centro.
O espetáculo conta com a direção de Murillo Basso, diretor de “Agnes de Deus” e assistente de direção de “Lady Tempestade”, e marca a estreia da atriz Carol em seu primeiro solo.
O conto que inspirou a peça foi escrito durante a pandemia e condensa de maneira crítica e bem-humorada o reacionarismo que deu tom ao cenário político brasileiro nos últimos anos. Para além do já conhecido ódio às diferenças, os artistas se viram invadidos por uma avalanche das mais diversas retóricas intolerantes, até então restritas aos círculos mais radicalizados.
As mídias digitais, com a disseminação de correntes de mensagens e ausência de filtros, deram voz e poder de coesão aos execradores da pluralidade e produziram visões ensimesmadas e conspiratórias da realidade.
“É muito complexo elaborar os fatos históricos que estamos vivenciando, e parece que caímos todos num estado de consternação e incredulidade diante do absurdo”, comenta Aline sobre o contexto que inspirou a criação da peça.
Dialogando criticamente com esse quadro, o espetáculo metaforiza o processo de “saída do armário” de personagens ultraconservadores, situando a ação num pequeno e caótico apartamento, cuja conexão com o mundo se dá, sobretudo, por meio do aparelho celular.
No espetáculo, a mulher confinada recebe uma visita inesperada do trabalho. Ao tentar justificar sua situação, e atormentada por uma estranha presença, ela começa a falar ininterruptamente e se deixa levar por uma torrente de pensamentos até romper com a realidade e mergulhar num discurso ressentido, persecutório e delirante de superioridade.
O público se depara a princípio com uma figura complexa, multifacetada, carismática e abjeta, difícil de capturar, difícil de definir, mas que pouco a pouco descortina um pensamento radical e conservador.
“A peça traz para a cena uma figura que embarca num processo de radicalização e fanatismo, levando sua narrativa ao limite entre ficção e realidade. A protagonista vai pouco a pouco vomitando um ressentimento típico da elite decadente paulista, que sonha, pateticamente, ser algo que não é”, diz Carol sobre a personagem que interpreta.
A direção de Basso aposta numa imagem-síntese ao enraizar a figura no palco, limitando suas possibilidades de movimento. Desse modo, ele desloca a atenção da plateia para o trabalho minucioso da atriz Carol Duarte, que mobiliza seus recursos para navegar o sofisticado labirinto dramatúrgico criado pela autora. O espetáculo aposta no humor como chave para lidar com a aridez e a violência do discurso da figura central, deixando o público o tempo todo em estado de atenção.
“Sabemos da complexidade e da densidade dos temas que estamos abordando neste espetáculo, mas acreditamos plenamente no potencial da arte e do teatro como plataforma para se discutir a realidade e imaginar novos futuros. Depois destes últimos anos sob ameaça constante, celebremos a liberdade democrática de fazer arte e sigamos em frente com olhos e ouvidos bem abertos”, diz o diretor.
Teatro Firjan Sesi Centro – Av. Graça Aranha, 1, Centro, Rio de Janeiro.